Raiva

raiva

Por Swāmini Pramananda Saraswati e Śrī Dhira Chaitanya

A palavra em sânscrito krodha significa raiva. Na Bhagavadgītā (2.62), o Senhor Kṛṣṇa explica a origem da raiva a Arjuna da seguinte maneira: sangat sanjayate kāmah kamat krodhah abhijayate – da associação nasce o desejo, do desejo nasce a raiva.

Quando experienciamos um objeto, ele não deixa, necessariamente, uma impressão em nossa mente. Somente quando pensamos de novo nesse objeto, ele se torna uma impressão. Se continuamos a dar importância ou nos associarmos com o objeto, nascerá o desejo de experienciá-lo de novo ou até de possui-lo. Portanto, o desejo se desenvolve a partir das associações repetidas. Para satisfazer o desejo, a pessoa age. Quanto mais intenso o desejo, maior a necessidade de satisfazê-lo. O que quer que atrapalhe a satisfação desse desejo evoca a raiva. Desejo e raiva, portanto, estão juntos. Como o Senhor Kṛṣṇa explica na Bhagavadgītā (3.37):

Kāma esa krodha esa rajoguasamudbhava
Masano mahāpāpam viddhyenamiha vairinam

“Conheça esse desejo, essa raiva, nascida de guṇa rajas, como sendo um glutão, um grande pecador e um inimigo aqui nesse mundo”

O desejo é chamado de glutão porque, como uma fogueira que engole tudo o que se põe nela, os desejos não podem nunca ser saciados. Quando os desejos não são satisfeitos, eles fazem a raiva emergir. O Senhor Kṛṣṇa descreve as conseqüências da raiva: “krodhat bhavati sammohah“, da raiva nasce a falta de discriminação. Uma vez que a mente está tomada pela raiva, age-se sem pensar nas conseqüências. Desejo e raiva são chamados mahāpāpam, os grandes “pecadores”. Eles levam as pessoas a agirem de tal forma que o arrependimento virá depois, às vezes por toda a vida. Ambos nascem de rajogua, uma qualidade que envolve impetuosidade. É difícil lidar com essas emoções uma vez que elas estejam manifestas e, portanto, elas devem ser podadas logo no início. Desejo e raiva devem ser entendidos como inimigos, uma vez que fazem mal a você mesmo e aos outros.

Devemos lidar com essas emoções negativas reconhecendo-as e entendendo-as claramente. Agimos para satisfazer desejos. Os resultados de nossas ações, no entanto, podem não ser como desejamos. Mais frequentemente do que gostaríamos, nossas expectativas são diferentes daquilo que conseguimos com nossas ações. Quando as expectativas não são alcançadas, a reação imediata é geralmente desapontamento e frustração. Essa tendência começa na infância. Uma criança pode conseguir o que quer reagindo com raiva. Tal comportamento pode se transformar num meio subconsciente de realizar os desejos e não será abandonado nem quando se chega à idade adulta.

A raiva parece acontecer naturalmente, independente de nossa escolha. Para lidar com a raiva, precisamos, em primeiro lugar, compreender que a raiva é uma reação, não um ação deliberada. É a resposta a expectativas não alcançadas. Não se pode escolher ter raiva. A raiva acontece. Se constantemente nos martirizamos e ruminamos as decepções e frustrações, a raiva vai crescendo até que explode contra objetos, pessoas e até contra si mesmo. A explosão pode levar um tempo ou ser instantânea; pode ser consciente ou inconsciente.

Para conquistar a raiva precisamos compreender que as coisas não acontecem necessariamente do jeito que gostaríamos e que as leis de causa e efeito não operam seletivamente em favor de algumas pessoas e contra outras. Precisamos, portanto, desenvolver um alerta pelo qual podemos reconhecer assim que a raiva chega. No início, reconhecemos a raiva somente depois que ela chegou, fez seu estrago e foi embora. No devido tempo, com atenção, o tempo entre a chegada da raiva e seu reconhecimento diminui. Então aprendemos a reconhecer a raiva assim que ela desponta e ainda mais, reconhecer as situações que têm potencial de criar raiva em nós mesmos. Uma vez que a raiva emergiu completamente, ela tem que se expressar. Para adquirir domínio sobre ela, seu potencial tem que ser anulado.

Podemos também usar a auto-sugestão: “Hoje eu não vou me permitir ter raiva”. É claro que no início ficaremos com raiva, com certeza. Essa sugestão, no entanto, ajuda a aumentar a atenção em reconhecer a raiva, e com o tempo, ajuda a ganhar domínio sobre esse sentimento. Ganhar domínio sobre a raiva e outras reações emocionais é um valor que envolve prática. Essa prática precisa ser contínua, sem se sentir culpado, toda vez que se fica zangado.

A história do sábio Viśvāmitra no Rāmāyaṇa ilustra a tentativa de dominar a raiva. Antes de se tornar um homem sábio, Viśvāmitra era um rei chamado Kauśika. Kauśika queria a vaca que realizava desejos, chamada Kāmadhenu, que pertencia ao sábio Vaśiṣṭa. Quando Vaśiṣṭa se recusou a dar-lhe a vaca e lhe disse que a vaca somente daria comida que fosse solicitada por um brahmaṛṣi, aquele que está feliz consigo mesmo, Kauśika ficou com raiva. Ele decidiu fazer várias disciplinas para se tornar mais poderoso do que Vaśiṣṭa, com o objetivo de destrui-lo. Embora Kauśika ganhasse poder, foi apenas depois de sobrepujar a sua raiva que ele pode ser reconhecido como brahmaṛṣi.

Aquele que ganha domínio sobre a raiva é considerado com uma pessoa elevada e é descrita da seguinte maneira:

Dhanyah te puruasresthah ye buddhya utthitam kopam
Nirundhanti
mahātmanan diptam agnim ivambhasa

“Eles são pessoas abençoadas, elevadas e grandiosas, que podem dissipar a raiva pela análise assim que ela chega à mente, assim como extinguimos o fogo brilhante com a água.”

Lidar com a raiva e superá-la é sinal de maturidade emocional, resultando numa mente que é relativamente tranqüila e livre de agitação.

* Do livro Pūrṇa Vidya – Vedic Heritage Teaching Programme Part 6 (Values) de Swamini Pramananda Saraswati e Śrī Dhira Chaitanya. Tradução de Angela Andrade

artigo retirado do site: www.vidyamandir.org.br